Festa Do Dia Das Mães

Acabem com o tormento das festas de dia das mães da escola

POR RITA LISAUSKAS
09/05/2017, 11h03
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Aproveitem e cancelem a do dia dos pais também

Foto: Pixabay
Eu sei que muitas mães gostam dessa festinha, porque se lembram das celebrações de dia das mães da própria infância. As crianças ensaiavam músicas e grandes apresentações e, nessas cerimônias, entregavam os presentes às mães, que iam sempre às lágrimas. A sua adorava a homenagem e você ficava super orgulhosa em "desfilar" com ela por aí.
Mas eu preciso te contar uma coisa: enquanto eu, você e nossas mães nos sentíamos radiantes durante essa comemoração, muitas outras crianças se sentiam miseráveis. Eu não me esqueço como uma amiguinha, a Daniela, ficava sempre tensa quando chegava esse dia. A mãe dela quase nunca conseguia comparecer a essas celebrações. Era "desquitada", como se dizia naquela época, ex-marido não queria saber da família e, por isso, trabalhava dobrado para sustentar os filhos. No dia da tal festa, o chefe não queria nem saber de liberá-la por algumas horinhas. Lembro da gente pequena, flores na mão, esperando as mães entrarem na sala de aula para uma dessas festinhas. A Daniela dizia, baixinho "se ela não vier, eu não vou perdoar, se ela não vier, não vou perdoar". A mãe só apareceu lá pelo meio da apresentação, muito atrasada e com cara de 'desculpa, filha'. Minha amiga já estava magoadíssima, inchada depois de verter lágrimas silenciosas para não atrapalhar a música que os colegas, alheios ao seu sofrimento, cantavam a plenos pulmões. Havia uma menina órfã de pai na mesma sala. Os pais tinham mais dificuldade em aparecer nas tais festas, e isso era considerado, mas sempre que a data chegava ela sofria ao explicar para todo mundo que o pai tinha morrido quando ela ainda era um bebê e, por isso, aquele homem tão velhinho fazendo o papel de pai nas festas era, na verdade, o avô.
Confesso que quando meu filho entrou na escolinha estranhei que, com a chegada do mês de maio, não tivesse nenhuma convocação para a festinha do dia das mães. Na sexta-feira anterior à data até recebi um presentinho na mochila – acho que algum desenho de uma mão gorducha que se imprimiu à folha de sulfite depois de mergulhada na tinta, uma coisa muito fofa. Mas festa? Nenhuma. Perguntei a razão à professora e ela me lembrou o óbvio. Nem todos os alunos têm mães, nem todos os alunos têm pais, outros têm duas mães, nenhum pai, ou dois pais, nenhuma mãe. Lembrou-me que há crianças que são cuidadas pelos avós, pelos tios, pelos padrinhos. Eu olhava ao meu redor e via que todas as crianças da classe do meu filho tinham mães e pais, mas a vida não era assim, estávamos numa bolha que, a qualquer momento, podia estourar.
E estourou, claro, a bolha sempre estoura.
Anos depois, essa mesma professora querida do meu filho morreu em um acidente de carro. A filha dela sobreviveu. Estuda na escola onde a mãe lecionava (e onde meu filho ainda estuda), lida com as lembranças doloridas de quem só perdeu pai e mãe na infância sabe quais são mas, ainda bem, não tem que lidar com o tormento da festa do dia das mães. Um menino da mesma série do meu filho perdeu o pai para uma dessas doenças que aparecem sem pedir licença. Duro? Duríssimo! Ainda bem que essa criança não tem que lidar, também, com o tormento que poderia ser a tal festa do dia dos pais. Além das mães (e dos pais) que morreram, têm que os que sumiram, os que são negligentes, os violentos. Seria justo fazer uma criança passar semanas e mais semanas na expectativa de comemorar algo que, para ela, não merece ser comemorado só para que eu, mãe da "bolha" possa ter alguns minutos de felicidade? Não, né?
Por isso muitas escolas acabaram com as tais festas do dia das mães e dos pais e instituíram o dia da família, comemorado em uma data aleatória. Nessa festa, o foco é celebrar quem cuida, acolhe e educa essa criança: são avós, tios, padrinhos, uma mãe-solo, um pai-solo, dois pais, duas mães e até, olha só, um pai e uma mãe. Em tese, toda criança tem alguém, ou várias pessoas e elas merecem ser celebradas.
Se eu fico triste por não ter festinha de dia das mães na escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta, sei lidar com  as minhas frustrações.
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Robs Claro

Robs Claro
Fico impressionada com a falta de empatia das pessoas que comentaram aqui! Que horror! Sempre as pessoas ficaram tristes SIM, sempre! O que acontece é que a maioria não tem empatia e agora se incomoda com quem tem, com quem se importa com os outros. Essas pessoas tão desumanas deveriam se envergonhar.
Juliana Guimarães

Juliana Guimarães
Maravilhoso texto e muito bem articulado. Sou professora e já vivi na pele a tristeza dos meus alunos e não ver os pais nessas festa.
Edison Munhos

Edison Munhos
Na minha época, ninguém ficava triste, porque não tinha essa frescura de mimimi.  Hoje é tudo na base do "coitadinho".  Estou 100% de acordo com a Ana Azevedo Teixeira.  Cada um tem sua vida.  Porque uns não tem mãe, as outras estarão proibidas de ter ?
Ah, tenha a santa paciência.
Geração estragada.  É muita frescura.

Marcio Pereira

Marcio Pereira
Suas colocações são úteis para defender a manutenção da comemoração do Dia das Mães: "Ainda bem que essa criança não tem que lidar, também, com o tormento que poderia ser a tal festa do dia dos pais." "Se eu fico triste por não ter festinha de dia das mães na escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta, sei lidar com as minhas frustrações." No meu entendimento, tormento e frustração são sentimentos bem semelhantes. Só aprende a lidar com frustrações quem passa por elas. Aí vc cria uma geração que não saber lidar com frustrações. Na primeira frustração, já fica depressiva, procura baleia azul, 13RW, etc.
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