Um homem que dedicou parte da vida a defender os povos indígenas foi homenageado em um dos rituais mais importantes entre as aldeias do Alto Xingu. Parentes e amigos do antropólogo Darcy Ribeiro participaram da cerimônia, realizada pelos índios.
Essa história começa quando o Sol ainda era gente. Depois que a mãe morreu, o Sol fez um ritual e a cerimônia passou a se chamar Kuarup. É uma das mais belas histórias dos povos que habitam o Parque Indígena do Xingu. Um lugar do Brasil Central onde o Cerrado e a Floresta Amazônica se encontram.
Nosso voo tem como destino o Alto Xingu, no estado de Mato Grosso. De cima vemos um clarão, um círculo de terra. É a aldeia dos índios Yawalapíti. Um povo que se alimenta principalmente de peixe, do biju - que vem da mandioca - e também de muitas tradições.
O Kuarup é uma delas. Principal cerimônia entre as aldeias do Alto Xingu, é feito só para aqueles que os índios consideram muito importantes. É o momento de se despedir dos mortos.
Acompanhamos os últimos dias do ritual, que dura 10 meses. Dessa vez, são três homenageados. Dois líderes indígenas e um homem branco: Darcy Ribeiro.
Escritor, educador, político, idealizador e reitor da Universidade de Brasília, etnólogo. Darcy Ribeiro teve muitas vidas em uma só. Mas foi como antropólogo e com os índios que ele mais se realizou e mais se encantou.
"É a consagração do trabalho do professor Darcy. Eu acho que a maior homenagem que um homem público, um intelectual que dedicou grande parte de sua vida em defesa dos povos indígenas é receber essa homenagem", conta Paulo Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro.
As flautas sagradas, os chocalhos e os cantos evocam as almas. Uma fila se forma. Para os povos que vivem no parque do Xingu, os espíritos dos mortos vão incorporar nesses troncos, cuidadosamente preparados.
Paulo Ribeiro, sobrinho de Darcy, é arranhado: é o processo de purificação. Em um dos momentos mais importantes, mais emocionantes da cerimônia, a família e os amigos de Darcy Ribeiro choram diante do tronco que o representa. É hora de secar a tristeza através do choro.
A noite chega. Os povos visitantes, todos do Alto Xingu, se juntam aos Yawalapíti. Agora são oito etnias diferentes, mais de 1,5 mil pessoas. A tristeza dá lugar à rivalidade. Começa a luta, que exige força, habilidade e respeito.
"Isso é muito valorizado no Parque Indígena do Xingu. Então, isso é a nossa tradição, que a gente não vai deixar nunca acabar", conta Jair, índio Kuikuro.
Os Yawalapíti saem como os grandes vencedores. E pensar que esse povo quase desapareceu. No fim da década de 50, eram apenas 12 índios.
Preocupado com o possível desaparecimento dos povos indígenas do Centro-Oeste no começo dos anos 50, Darcy Ribeiro foi conversar com Getúlio Vargas. Para tentar convencer o então presidente, falou que a natureza brasileira estava ameaçada, porque os fazendeiros estavam destruindo a mata para criar pastagens. E que a única maneira de preservar esse pedaço do Brasil seria entregá-lo aos indígenas, que - desde sempre - souberam viver harmonicamente com a terra. Getúlio concordou e começou o processo de criação do Parque do Xingu.
"Darcy é o primeiro que se preocupou com nossa terra. A gente tem que manter isso aqui. Porque essa cultura é muito importante. A gente não pode esquecer essa cultura", afirma o Cacique Aritana, índio Yawalapíti.
Kamukaiaka já tentou a vida na cidade. Foi jogar futebol em Brasília. Mas a saudade apertou e ele voltou para casa. Hoje desenha a história dos Yawalapiti. Começa no tempo em que o Sol ainda era gente.