26 de jun. de 2009

"Não adie alegrias..."


Aproveite bem o seu dia
Por Adriano Silva | 04/06/2009 - Revista Exame


Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um vôo
da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a
melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para
a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que você perceba, ou possa fazer
qualquer coisa a respeito, sua vida acabou. Numa bola de fogo ou nos 4 000
metros de água congelante abaixo de você naquele mar sem fim. Você que
tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de
ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda
taça de vinho tinto com o cobertorzinho do avião sobre os joelhos. Talvez
você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava
ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso. Fim.

Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como
se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir
os negócios. Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de
expressar esse amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à
aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances
de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a
cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende
mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você
infeliz, tendo deixado de amá-lo. Seus sonhos de trocar de casa, sua
torcida para que seu time faça uma boa temporada. Suas noites de insônia,
essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os
planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo
positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as
dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda
para resolver assim que tivesse tempo. Bastou um segundo para que tudo isso
fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe
pesou toneladas tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não volta a
acender mais. Fim.

Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons sentimentos
possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de casa. Não cultive
amarguras e sofrimentos. Prefira o sorriso. Dê risada de tudo, de si mesmo.
Não adie alegrias nem contentamentos nem sabores bons. Seja feliz. Hoje.
Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança. No fundo, só existe o hoje.

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