Dia do discurso pró-professor – e os outros 199 dias letivos?by Cecilia Garcia, Da literatortura |
Eu sei que o título pode parecer estranho, mas, como professora, senti a necessidade de falar algumas coisas sobre o dia de hoje. Não é questão de falar a verdade, mas de expressar o meu ponto de vista sobre a avalanche de posts chorosos e agradecidos no Facebook.
Calma, eu não me refiro a todos, mas a um grupo que se lembra dos professores só no dia 15/10. Ser grato a quem te ajudou ou te inspirou em sala de aula é digno e louvável (adorei os presentes que ganhei, os abraços e bilhetinhos, tudo o que foi sincero), mas o professor não trabalha um dia só, e nos 200 dias letivos de cada ano, não é bem o mesmo discurso que impera por aí. Homenagear o professor apenas no dia dos Professores, de alguma forma, parece com transar só no Dia do sexo – sem propósito e um pouco incoerente, além de bizarro. Há muito que fere a classe além do salário baixo e do “Você é professor? Mas... por quê?”.
Pessoalmente, uma das coisas que me ofende é essa avalanche de gente muito fã dos professores no dia de hoje. É uma hipocrisia que me irrita e, de certa forma, também é condescendência: “Coitadinhos, eles sofrem tanto que merecem nosso parabéns.” Não, obrigada. Não é disso que um professor precisa.
Pensando nisso, fiz uma lista de comentários frequentes, mas que precisam ser repensados.
1) “Professor tem o dom” – não. Honestamente, eu não acho que isso existe. E, pensando mis especificamente, eu não sou nenhuma profetisa que recebeu um dom divino e dou aulas. Eu sou profissional e quero ser reconhecida como tal: carga horária legítima, salário adequado, condições de trabalho decentes e prestígio. Assim como qualquer outra profissão.
2) “Professor reclama de barriga cheia: tem férias duas vezes no ano!” – olha, isso é pior do que o “não-trabalha-só-dá-aula”. Ter férias é diferente de descansar: tem projetos, preparação de aulas, correção de atividades e fechamento de médias, atendimento a pais, cumprimento de horas, etc. Além do que, dar meses de aula seguidos é cansativo pra caramba, e, com isso vamos ao próximo tópico.
3) “40 aulas por semana é mesma coisa que 40 horas por semana” – olha, a aula em si, é tão cansativa quanto outras profissões (não quero entrar no mérito do desgaste mental, ficar de pé, passar coisas na lousa, e etc. pra não dizer que eu estou sendo parcial). Mas para dar 40 aulas por semana, você gasta, no mínimo, mais 20, 25 “aulas” (ou tempo equivalente) preparando as tais 40. “Hora extra, igual aos outros trabalhos”, alguém já argumentou comigo – nada disso: preparação de aula raramente é remunerada. Não tem banco de horas ou hora extra. A preparação é feita de graça. Horas trabalhadas gratuitamente. Isso sem contar a quantidade de professores que trabalha mais do que 40 aulas por semana, o que não é raro. Daí faça as contas e veja que há de se parar de comer ou dormir ou fazer xixi ou os três pra dar tempo.
4) “Professor faz greve todo ano” – e como não fazer? No estado de São Paulo, a hora-aula líquida está girando em torno de 10 reais. É uma matemática difícil de se perceber concretamente, e 10 reais pode parecer até razoável. Mas 40 aulas por semana a 10 reais resultam em miseráveis 1500 reais por mês, aproximadamente. Eu não sei você, amigão, mas com esse dinheiro, não se faz muita coisa. O mínimo que você pode fazer é apoiar a classe quando houver reivindicação dos direitos básicos de trabalho: salário decente e condição de trabalho. Apenas.
5) “Foi ser professor por que quis, já sabia que era assim” – isso é extremamente cruel e egoísta. Além disso, demonstra um conformismo alarmante: a ideia não é mudar pra melhor, crescer, acabar com a desigualdade? Se você acha que todo professor tem de se conformar com sua condição por ter feito a escolha de carreira “errada”, você está automaticamente dizendo que não há por que tentar mudar. Não se cresce ignorando as dificuldades. Pense nisso.
É claro que não é todo professor que é maravilhoso, da mesma forma que não é todo mundo que profere comentários como os que eu mencionei acima. O intuito não é generalizar, mas sim demonstrar que seu apoio precisa ir além de um post no Facebook: reconheça o valor do professor ao ir às urnas votar, ao entender greves e protestos, ao reconhecer o salário baixo e o grande esforço que ele faz. Se não, perdoe, mas é só discurso vazio. E disso, nós, brasileiros, já estamos cheios.
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