Tânia Fortuna, professora de Psicologia da Educação da UFRGS, explica que o brincar é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, motor e social das crianças
Isabela Palhares, O Estado de S. Paulo
08 Maio 2017 | 17h20
Há uma valorização do brincar na educação brasileira?
Trouxe otimismo a BNCC trazer a brincadeira como eixo estruturante. É um sintoma do valor que os educadores estão dando para a temática da ludicidade, mas ainda não há garantias de que a valorização vá transcender o discurso. Porque o que vimos nos últimos anos foi o adiantamento da escolarização, com a obrigatoriedade da matrícula aos 4 anos e 5 anos. Essas turmas de crianças ingressam nas escolas de ensino fundamental e acabam tendo de se submeter à lógica dos espaços físicos pouco atraentes, com poucos recursos lúdicos. E o que é mais triste é que há uma ênfase muito grande na aprendizagem acadêmica. O importante é que a valorização do brincar não fique apenas no documento, mas seja colocada em prática.
Com certeza haverá a resistência de alguns pais para uma educação infantil voltada para brincar, mas não podemos perder de vista a potência que ela tem para o desenvolvimento da criança. Não se trata de concessão [de tempo para o brincar], mas de reconhecer a necessidade da brincadeira para o ser humano.
Porque o brincar é importante para o desenvolvimento infantil?
A brincadeira funda o humano em nós. Tudo o que diz respeito ao ser – linguagem, criatividade, sociabilidade, cognição, inteligência – passa pelo brincar. O brincar tem importância para o presente e o futuro. A criança compreende o mundo brincando, colocando as coisas na boca, jogando objetos no chão. É com essas brincadeiras que ela se orienta geograficamente, tem noções de Matemática e Física rudimentares e práticas. É como conhece o mundo naquele momento e leva aprendizados para a vida adulta.
O campo de estudo do brincar ainda é um mistério, mas a sua importância para o desenvolvimento já foi confirmada. Outras espécies de mamíferos também brincam, porquê algumas são mais brincalhonas que outras? Porquê encontramos crianças que mesmo em situações adversas, que passam fome, estão doentes ou foram violentadas, encontram nas frestas do seu sofrimento um espaço para brincar? Não sabemos ainda explicar, mas já sabemos que manter a capacidade de brincar se traduz em uma maior possibilidade de vencer as adversidades. A brincadeira ensina resiliência.
Como a brincadeira deve ser abordada na escola?
É preciso cuidado para não didatizar a brincadeira, porque se asfixia o brincar. Não há problema em colocar conteúdos de matemática ou inglês em jogos, desde que não haja peso demais no didático ou se torne aula. É um grande desafio para os educadores, mas é também muito importante, porque estudos já mostram que as crianças que mais brincam têm um rendimento escolar futuro superior ao daquelas que foram estimuladas de forma acadêmica precocemente.
Crianças que brincam pouco em ambientes externos podem ter o desenvolvimento prejudicado?
O impacto é muito danoso sob vários impactos. O mais evidente deles é a obesidade infantil por causa da vida urbana e a alimentação. As crianças estão sendo induzidas para a obesidade e uma forma de combate é a atividade física, por isso, a importância dos parques e áreas verdes nas escolas ou ao menos passeios até esses locais.
Outra questão pouco conhecida é a de que as crianças de até 6 anos se beneficiam da brincadeira para o desenvolvimento das sinapses e conexões nervosas. É como o que o adulto sente quando faz exercícios físicos, mas, com as crianças, ocorre de forma definitiva. O exercício físico desenvolve na infância a motricidade ampla (controle corporal, como postura, equilíbrio, deslocamentos e balanços) e as conexões neurológicas. Ou seja, sem espaço adequado para brincar, as crianças não correm apenas o risco de se tornarem gordas, mas também menos inteligentes por conta da precariedade de experiências.
As crianças que têm experiência de interação com a natureza também desenvolvem outro padrão de responsabilidade com o mundo, moralidade, empatia com outros seres vivos. É uma lástima que algumas escolas só vejam seus alunos como cabeças e não como seres de corpo inteiro.
* Tânia Fortuna é professora de Psicologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora geral do programa de extensão universitária "Quem quer Brincar?"
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