Agência FAPESP - Foi lançado oficialmente, na última terça-feira (16/6), o projeto Brasiliana Digital, que disponibilizará pela internet, com acesso livre, a coleção de cerca de 40 mil volumes da Biblioteca Guita e José Mindlin, doada à Universidade de São Paulo (USP) em 2006, além de outros acervos da USP.
A versão inicial, que já está funcionando, oferece acesso a 3 mil documentos da coleção reunida por Mindlin ao longo de mais de 80 anos. O lançamento do projeto, realizado em conjunto com uma homenagem ao bibliófilo, ocorreu durante a cerimônia de abertura do seminário Livros, Leituras e Novas Tecnologias, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista.
"Desde que comecei a coleção, já sabia que a biblioteca não podia ser para sempre um patrimônio particular. Estava claro que éramos depositários e formadores desse conjunto, mas sem o viés da propriedade. Como toda minha família tem forte relação com a USP desde a década de 1930, quando entrei no curso de Direito da universidade recém-inaugurada, não tive dúvidas sobre a escolha da instituição para a qual deveria doar esse patrimônio", disse Mindlin.
A fase piloto de implantação do projeto conta com apoio da FAPESP, por meio da modalidade Auxílio a Pesquisa - Regular. Os recursos fornecidos pela Fundação permitiram a compra de um sistema integrado de digitalização robotizada de livros encadernados.
"O robô foi adquirido em janeiro e neste primeiro semestre parte da nossa equipe foi para os Estados Unidos receber treinamento para operá-lo. Há sete semanas estamos trabalhando com ele. O robô permite digitalizar cerca de 2,4 mil páginas por hora, o que equivale a cerca de 40 livros por dia", disse Pedro Puntoni, professor do Departamento de História da USP e coordenador da Brasiliana Digital, à Agência FAPESP.
A Biblioteca Guita e José Mindlin reúne diversos tipos de livros, folhetos e manuscritos sobre assuntos brasileiros. "O acervo cobre áreas como literatura, prosa e poesia, história, relatos de viagens, crítica literária, ensaios, filologia, dicionários, obras de cronistas, história natural, botânica e zoologia. Nem tudo está em português, mas tudo diz respeito ao Brasil", explicou Puntoni.
Segundo ele, o projeto permitirá aliar a conservação das obras - muitas delas com vários séculos de existência - e a universalização do acesso a elas. "O governo brasileiro, em suas três esferas, tem investido muito em inclusão digital, que deverá aumentar imensamente a parcela da população brasileira com acesso à internet. A Brasiliana Digital dará acesso a esse acervo riquíssimo, preservando-o ao mesmo tempo", afirmou.
O historiador explicou que ainda não há previsão do tempo necessário para a digitalização integral do acervo doado por Mindlin. Mas, com a tecnologia de digitalização avançada e um sistema de gestão de informação adequado, a equipe está pronta para ampliar o ritmo do projeto.
"Como o prédio no qual o acervo será instalado ainda não está pronto, não pudemos ainda definir a dinâmica do processo. O robô, apelidado pela equipe de Maria Bonita, é operado por conservadores. Quando lidamos com um livro do século 16, por exemplo, temos que diminuir o ritmo. Estamos ainda aprendendo a lidar com o equipamento", disse.
O projeto recebeu da FAPESP até o momento cerca de US$ 980 mil, usados para a compra do robô e apoio a 15 bolsistas. Segundo Puntoni, a equipe envolvida com o projeto tem cerca de 30 integrantes, entre pesquisadores, bibliotecários, analistas e programadores.
A base do projeto Brasiliana Digital, segundo Puntoni, é o projeto Brasiliana USP, coordenado por István Jancsó, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. "A Brasiliana USP é um projeto da reitoria da USP que permitirá o acesso para pesquisa e ensino da maior coleção de livros e documentos de e sobre o Brasil custodiada por uma universidade em escala mundial, tornando-a disponível na internet", explicou Puntoni.
Para abrigar o acervo doado por Mindlin e a nova sede do IEB, a Brasiliana USP está construindo um edifício com cerca de 20 mil metros quadrados no centro da Cidade Universitária, em São Paulo. O projeto foi desenvolvido pelos arquitetos Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb, com a assessoria da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
"O contrato com a construtora prevê o prédio pronto no fim de outubro, incluindo toda a parte estrutural, como ar-condicionado, cadeiras do auditório, elevadores, etc. A partir daí será preciso trabalhar na instalação de equipamentos, sistemas de segurança e no acabamento. Acreditamos que em 2010 o novo prédio estará operacional", disse Puntoni.
A parte do prédio onde ficará o IEB, no entanto, deverá levar aproximadamente mais dois anos para ser finalizada. "A parte da construção voltada à coleção Mindlin foi privilegiada, para podermos trazer logo o acervo. Precisaremos ainda levantar recursos para a finalização da outra parte", disse.
Integração digital
Segundo Jancsó, a concepção básica do projeto Brasiliana USP parte da ideia de criar uma estrutura de conservação de uma parcela do patrimônio cultural da nação, que é a Biblioteca Guita e José Mindlin.
"A partir daí, poderemos investir na conservação do extraordinário acervo documental guardado pela USP. A universidade tem, em suas bibliotecas, cerca de 6,5 milhões de livros. Tudo isso hoje está à disposição dos interessados quase que exclusivamente mediante acesso presencial", disse.
A ideia do projeto, segundo Jancsó, é contribuir para a conservação de todo o acervo da USP por meio da constituição de um centro de formação de restauradores que levará o nome de Guita Mindlin - a esposa de José Mindlin, morta em 2006 aos 89 anos, pioneira nas ações de restauro de livros e documentos no Brasil.
"Por outro lado, é papel da universidade pública fazer com que a visão patrimonial seja superada e fazer com que esse acervo custodiado pela USP possa estar ao alcance, de modo universal e irrestrito, a todos os brasileiros interessados", afirmou.
De acordo com Jancsó, os acervos do IEB e da Biblioteca Guita e José Mindlin são complementares e, juntos, deverão formar a principal coleção existente de livros e documentos voltados aos estudos brasileiros. "A construção desse prédio no centro da USP resgata a ideia de que essa universidade foi criada para pensar o Brasil", disse.
Jancsó conta que a USP investiu R$ 15 milhões para a construção do novo prédio e o projeto captou mais R$ 18 milhões junto a fundações e recursos provenientes de mecanismos de renúncia fiscal. Já os recursos da Brasiliana Digital foram integralmente fornecidos pela FAPESP. "Agora, conseguimos autorização para captar mais R$ 11 milhoes pela lei Rouanet, para finalizar a obra. E vamos ter que buscar mais recursos. A obra é do tamanho do projeto", destacou.
O site Brasiliana USP reúne informações sobre o projeto, sobre a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e Brasiliana Digital, com destaques como o primeiro livro impresso no Brasil (A Relação da Entrada[...], por Antonio Isidoro da Fonseca), cenas da vida urbana de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e o relato do marinheiro Hans Staden (1525-1579), de 1557.
"A edição de 1557 de Marpurg é a verdadeira primeira edição da obra de Hans Staden. Comprei-a encadernada com mais três livros (Varthema, Federman e um romance de cavalaria alemão), numa encadernação de 1558. A biblioteca possui também uma edição pirata de Frankfurt, provavelmente do mesmo ano, que, não dispondo das matrizes da primeira edição, foi ilustrada com gravuras da viagem de Varthema ao Oriente, sem qualquer relação com o Brasil e com os índios", disse Mindlin.
Brasiliana Digital:
www.brasiliana.usp.br/bbd.