Entre Rosas e Canhões O Ensino Superior na Ditadura Militar.
"(...) Nas escolas, nas ruas, campos, construções / Somos todos soldados, armados ou não,
Caminhando e cantando e seguindo a canção,/ Somos todos iguais, braços dados ou não,
Os amores na mente, as flores no chão ,/ A certeza na frente, a história na mão,
Caminhando e cantando e seguindo a canção ,/ Aprendendo e ensinando uma nova lição(...)"
Geraldo Vandré Prá Não Dizer que Não Falei de Flores.
Na América Latina, a guerra fria resultou na instalação de sangrentas ditaduras militares. No Brasil, o presidente Jânio Quadros, que tomara posse em janeiro de 1960, substituindo Juscelino Kubitschek, renunciava seis meses depois, quando o seu vice, João Goulart, se achava em viagem à China.
Substituto legal de Jânio, Jango, teve sua posse contestada pela mesma ala militar que havia causado o suicídio de Getúlio Vargas. Diante da reação popular liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, chegou-se a uma solução: Jango foi empossado, mas com poderes limitados, num regime parlamentarista.
Um plebiscito no ano seguinte restaurou o presidencialismo. Os conspiradores militares não se conformaram e em 31 de março de 1964 derrubavam o presidente com um golpe. O Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, assumiu a presidência prometendo eleições. A promessa foi cumprida, mas depois de se mudarem as regras do jogo: as eleições não seriam mais diretas e sim por um colégio eleitoral composto pelos membros do Congresso.
Para garantir a vitória do candidato militar, cassaram-se mandatos de oposicionistas e assim foi eleito outro general, Arthur da Costa e Silva, para substituir Castelo. Iniciava-se no Brasil uma ditadura sui generis - sem um ditador, pois os generais se revezavam no poder a cada quatro anos - que iria durar vinte anos. A partir de 1968, com o Ato Institucional nº 5, baixado com o propósito de combater as manifestações estudantis e a luta armada iniciada contra o governo de exceção, instituiu-se um regime de medo, com prisões, violências e execuções não esclarecidas até o fim do século.
Nisto, a Universidade Pública no Brasil sofreu um duro golpe em sua liberdade. Apesar disso, em algumas delas, resiste o potencial crítico e contestatório que poderiam, segundo Habermas: " conduzir a conflitos desestabilizadores para o sistema" (in:Offe, 1990:51). O sistema educacional na ditadura militar é de caráter reprodutivista e tecnocrata, visando à escolarização e qualificação da força de trabalho, funções que dizem respeito ao Estado capitalista que estava se formando então.
No entanto, o Estado Militar precisava, para se legitimar, da adesão de uma parte dos intelectuais, das camadas médias e das massas populares. Constantemente apelavam à favor da democracia e da liberdade, ao contrário do que praticava. Clamavam o fim da pobreza, porém o nível de pobreza relativa se mantinha, ou ainda, aumentava mais.
O crescimento econômico dos 70 milhões em ação e a disseminação da idéia de "Brasil Potência" criam uma máscara que encobria a concentração de renda desmedida e a intensificação da exploração da força de trabalho.
"Esta estratégia de hegemonia adotada pelo regime militar inclui o uso dos veículos de comunicação de massa, com destaque para a TV Globo. Inclui Igualmente as políticas sociais, entre as quais a política educacional". (Germano, 1994:103)
Neste sistema político, havia intelectuais envolvidos com a doutrina militarista. Estes desenvolviam processos de coerção e cediam membros seus para ocuparem as pastas da educação, justiça, bem como cargos de confiança e de reitores . Neste quesito, a USP foi a grande aliada do Governo Militar na expansão de seus domínios e na promoção de uma práxis combativa e altamente agressiva.
A Reforma Universitária surge em 1968. Fruto de dura repressão aos Movimentos de Educação e Cultura Popular, às universidades e centros acadêmicos que foram fechados e seus integrantes presos e cassados. Alguns desses movimentos educacionais eram considerados inimigos do Estado, pois apresentavam um ideário "nitidamente subversivo", de "subversão educacional" ou ainda "obra perniciosa colocada a serviço da subversão". ( Germano, 1989:168).
As universidades foram objeto de intervenção militar, como a Universidade de Brasília (UnB) Três vezes invadida por tropas militares. Na primeira destas invasões, o reitor Anísio Teixeira, um dos principais educadores do país e articulador do projeto de renovação da UnB, foi destituído de suas funções. Foram efetuadas prisões de professores e estudantes, instaurado um Inquérito Policial Militar e o interventor demitiu de imediato treze professores sem qualquer motivo aparente.
Nas demais invasões, o reitor convoca a Polícia Militar para atuar no campus por mais de uma semana, prendendo e espancando professores e alunos. Em sinal de protesto, 210 professores se demitiram simultaneamente.
A destruição do projeto inovador sonhado pelos educadores da UnB tornou-se uma realidade. Em 1968 ocorre a terceira invasão, ainda mais turbulenta e agressiva. Os educadores, neste momento, atuam como agentes de conscientização dos estudantes. "Aprendendo e ensinando uma nova lição(...)".
O Regime encontrou grandes obstáculos no âmbito universitário graças às ações dos grupos estudantis organizados. Estes grupos foram severamente reprimidos, como no caso da UNE, no Rio de Janeiro, que um dia após o golpe de 64, foi incendiada e invadida por forcas direitistas.
Em novembro do mesmo ano, a chamada Lei Suplicy, por Flávio Suplicy de Lacerda, ministro da educação, coloca a UNE (União Nacional dos Estudantes) e as UEEs (Uniões Estaduais de Estudantes) na ilegalidade e cria novos órgãos de representação estudantil controlados pelo Estado. Esta foi mais uma tentativa de coibir e aniquilar a luta organizada dos movimentos estudantis. "Os amores na mente, as flores no chão, A certeza na frente, a história na mão(...)".
Em 1966, os estudantes reagem contra o autoritarismo e a política educacional dos militares. Ocorrem movimentos como a "Setembrada", um movimento nacional contra a repressão. Em 1967, começam as mobilizações contra os acordos MEC-Usaid entre outros aspectos da política educacional, tais como a falta de vagas nas universidades, pouca verba para a educação e privatização do Ensino Público.
Segundo Cunha: "A concepção da universidade calcada nos modelos norte-americanos não foi imposta pela Usaid, com a conivência da burocracia da ditadura, mas, antes de tudo, foi buscada, desde os fins da década de 40, por administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles como um imperativo da modernização e, até mesmo, da democratização do ensino superior em nosso país. Quando os assessores norte-americanos aqui desembarcaram, encontraram um terreno arado e adubado para semear suas idéias" (1988:22)
A reforma de 1968 não foi, portanto, uma incorporação plena das recomendações de Rudolph Atcon e numa imposição da USAID através de seus assessores junto ao MEC. Esta idéia de modernização e inovação tecnológica nos moldes americanos vem desde os impulsos educacionais da década de 40. Esta modernização do ensino superior foi posta em prática pelas instituições militares e reivindicada por setores da sociedade civil, como a própria UNE. A racionalização da educação, aproximando-a do mercado de trabalho e a profissionalização do ensino médio são algumas das idéias constantes na teoria do capital humano. Estas idéias antecipam aspectos que serão contemplados na lei 5692/71.
O ex-ministro do planejamento Roberto de Campos (1969:75-6) aponta os chamados defeitos genéricos do sistema educacional, dentre os quais se encontram: O planejamento da educação com base predominantemente em critérios demográficos; baixa relação aluno/professor; absenteísmo; greves; subutilização do ano letivo, fragmentação do corpo docente; o obstáculo da gratuidade como fator de impedimento de maior acessibilidade.
A década de 1970 iniciou-se no Brasil sob a ditadura do AI-5 e a presidência do general Emílio Garrastazu Médici. Havia censura total dos meios de comunicação, prisões arbitrárias, tortura e desaparecimento de presos políticos. Houve execuções sumárias, como a dos militantes Carlos Marighella e o capitão Lamarca, líderes da resistência armada ao regime.
A euforia causada pela conquista do tricampeonato na Copa do Mundo de 1970 e os índices de crescimento econômico, que já subiam desde 1967 e se estabilizaram em torno de dez por cento nos primeiros anos da década, ajudaram a reforçar a imagem de eficiência do governo. Era o "milagre econômico". A eficiente máquina publicitária dizia que o Brasil era uma "ilha de tranqüilidade", que o povo era feliz e só uns poucos maus brasileiros discordavam. Para eles foi criado o slogan "Brasil, ame-o ou Deixe-o".
Na cúpula militar, porém, nem todos concordavam com a dureza da repressão, defendida pelo grupo de "linha dura", e os moderados conseguiram levar ao poder o general Ernesto Geisel, que iniciou o processo de normalização da vida brasileira.
O começo dessa nova presidência enfrentou resistências, terrorismo militar e até ameaças de golpe, mas quando Geisel passou o governo ao general João Batista Figueiredo, o processo de abertura política já estava bem encaminhado.
Assim, o papel docente superior vem acompanhado de uma união do meio acadêmico e dos estudantes como forma de defesa de suas próprias ideologias e práticas educativas. Neste período negro de nossa história, alunos e professores são os atores principais que, além de denunciarem esta prática ditatorial para o mundo, conduziram o processo de redemocratização do país à partir da década de 80.
"Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não / ns escolas, nas ruas, campos, construções / caminhando e cantando e seguindo a canção..."
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA. L. A "Ensino Superior e Universidade no Brasil" In: LOPES, E M & FARIA FILHO, L M & VEIGA, C G (Orgs) 500 anos de Educação no Brasil. BH, Autentica, 2000.
GERMANO. J. Willington, Estado Militar e Educação no Brasil 2ª ed. Sp, Cortez, 1994.
VANDRÉ. Geraldo Prá Não Dizer que Não Falei das Flores. III FIC, 1968.